Em artigo publicado no dia 19 de novembro no jornal O Estado de S.Paulo, o presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR, Ronaldo Koloszuk, e o CEO da entidade, Rodrigo Sauaia, trata, da grande diferença entre os eventuais custos e os benefícios proporcionados pela geração distribuída solar fotovoltaica no Brasil.
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Por Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk*
Foram raras as vezes em que uma proposta no setor elétrico causou tanta mobilização do País, como a observada nas últimas semanas no debate sobre mudanças regulatórias da geração distribuída. Desde que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) publicou sua proposta preliminar, que sugere uma cobrança de até 60% sobre a energia elétrica injetada na rede pela geração distribuída, a sociedade não se furtou em assumir uma posição clara e firme sobre a questão.
Em praticamente todas as regiões do País, consumidores, personalidades, lideranças políticas, especialistas, empresários e jornalistas têm se mobilizado em defesa da liberdade do cidadão de gerar e consumir a própria eletricidade renovável em residências, comércios, indústrias, propriedades rurais e prédios públicos. Talvez, apenas o “apagão”, vivenciado pela sociedade em 2001, tenha causado uma sensibilidade e provocado um engajamento tão marcante da sociedade, como o que se observa neste momento.
A explicação a esta forte movimentação, acompanhada de amplo descontentamento da sociedade, está no visível desequilíbrio da proposta de mudança regulatória apresentada pela ANEEL no dia 15 de outubro de 2019. Em especial, pelo fato dela desconsiderar importantes benefícios da geração distribuída solar fotovoltaica em prol da sociedade brasileira. Por meio de uma mudança profunda e bastante negativa da metodologia utilizada para avaliar o valor que a geração distribuída agrega à sociedade, o regulador passou a considerar que a modalidade traz poucos benefícios à sociedade, mudando o foco de sua avaliação para os custos.
Trata-se de uma análise incompleta, já que a geração distribuída solar fotovoltaica agrega amplos benefícios ao País. Os ganhos vão desde aqueles específicos ao setor elétrico e aos consumidores, como a postergação de investimentos em novas usinas de geração, linhas de transmissão e infraestrutura de distribuição, a redução de perdas elétricas ao sistema, o alívio na operação das redes pelo efeito vizinhança, a diversificação da matriz elétrica e o aumento da segurança de suprimento, entre outros.
Adicionalmente, há também os relevantes ganhos econômicos e sociais, com a geração de emprego e renda, o aumento de competividade do setor produtivo, o alívio no orçamento familiar e de governos e o aumento da arrecadação pública. Há também os conhecidos ganhos ambientais, como a redução de emissões de gases de efeito estufa, redução de emissão de poluentes prejudiciais à saúde, alívio sobre os recursos hídricos cada vez mais escassos, redução da necessidade de terras para a instalação de usinas de geração de energia elétrica, já que telhados, fachadas, estacionamentos e outras áreas já construídas são aproveitadas para gerar eletricidade a partir do sol. Há ainda diversos outros benefícios estratégicos que, somados, superam, em muito, quaisquer eventuais custos decorrentes da geração distribuída.
Embora este seja um momento oportuno para debater as regras da geração distribuída, o processo de mudança regulatória, prevista para entrar em vigor já em 2020, começou muito antes do tempo. Antes mesmo do próprio mercado se desenvolver e alcançar a maturidade de um segmento econômico consolidado no País. Os números evidenciam com clareza esta situação: há atualmente apenas 170 mil usuários de geração distribuída solar fotovoltaica, num universo de mais de 84,4 milhões de consumidores cativos atendidos pelas distribuidoras de energia elétrica, ou seja, apenas 0,2% do total. São brasileiros e brasileiras que acreditaram no atual modelo regulatório e que, de certa forma, estão ameaçados por uma eventual mudança severa e desequilibrada na regulação.
O recomendável é que mudanças às regras sejam planejadas para ocorrerem apenas quando atingirmos 5% do atendimento da demanda com a geração distribuída, como nos ensinam as boas práticas de mercados internacionais de sucesso no setor. Muitos destes mercados, por sinal, já ultrapassaram as marcas históricas de 1 milhão ou até mesmo de 2 milhões de sistemas operacionais em seus territórios. Ainda estamos muito longe disso.
O Brasil possui menos de 136 mil sistemas de geração distribuída solar distribuída, frutos da livre iniciativa e do empreendedorismo de consumidores, empresários e investidores que acreditaram no potencial transformador desta tecnologia, considerada uma das mais promissoras do setor elétrico mundial. Outro destaque importante: o mercado é descentralizado, com pelo menos um sistema presente em 70% dos municípios brasileiros. As empresas também estão por todo o Brasil: são mais de 12 mil pequenos negócios, espalhados por todas as regiões do território brasileiro, beneficiando o País de Norte a Sul. Estas empresas agregaram, de 2012 até 2018, dezenas de milhares de postos de trabalho ao mercado, mesmo em anos de crise econômica. Só em 2019, serão mais 30 mil novos empregos de qualidade gerados pelo segmento.
Espera-se, portanto, que a agência reguladora cumpra o seu dever legal de promover decisões de equilíbrio ao setor elétrico. Isso inclui a geração distribuída a partir de fontes renováveis, em forte sintonia com os interesses da sociedade brasileira. É preciso evitar retrocessos econômicos, sociais e ambientais, sob pena de fechamento de empresas, perda de credibilidade do mercado e fuga de novos investimentos e empregos. Para tanto, faz-se necessário ajustar as premissas e incorporar os benefícios deixados de fora da análise da ANEEL, imprescindíveis que são para o futuro do nosso País.
*Rodrigo Sauaia é CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
*Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
O editorial do jornal O Estado de S.Paulo, publicado no dia 7 de novembro deste ano, aborda o papel fundamental das energias renováveis no mundo e destaca o debate regulatório em torno da geração distribuída no Brasil, em especial para o uso da tecnologia solar fotovoltaica no País. Na opinião do veículo, a fonte solar ainda está em fase de desenvolvimento no território brasileiro e, por isso, ainda é muito prematuro discutir quaisquer alterações de regra neste momento.
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Segundo a ONU, até 2050 energias renováveis como a solar, a eólica, a geotérmica, a marítima e outras poderão abastecer 80% da demanda mundial
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
07 de novembro de 2019 | 03h00
A substituição de energias poluentes, como carvão, petróleo ou gás, por fontes renováveis é um processo irreversível e global. Há até um termo forjado no mundo das finanças para se referir ao capital investido nas fontes tradicionais: “stranded fossil fuel assets” (ativos encalhados de combustíveis fósseis). Enquanto as fontes fósseis são geograficamente restritas a alguns países, as renováveis podem ser desenvolvidas por todos. Segundo a ONU, até 2050 energias renováveis como a solar, a eólica, a geotérmica, a marítima e outras poderão abastecer 80% da demanda mundial.
Assim, descobertas como a do pré-sal precisam ser intensamente exploradas, porque, a longo prazo, por mais rentáveis que sejam, estão com os dias contados. O Brasil já tem uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, menos por consciência ambiental do que por fatores geográficos e históricos. O petróleo e o carvão, principais comburentes da revolução industrial, eram recursos escassos no território nacional, que, por outro lado, foi abençoado com caudalosas bacias hidrográficas. O desenvolvimento das grandes usinas conseguiu literalmente “eletrizar” o País, gerando empregos, mobilizando setores como o da construção e oferecendo energia a preços competitivos. Mas mesmo esse modelo dá sinais de esgotamento. As melhores oportunidades estão na Amazônia, porém os riscos de impacto ambiental têm imposto um freio prudente à sua expansão indiscriminada.
Segundo estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) sobre pesquisa e inovação no Brasil, as melhores perspectivas estão em áreas nas quais as empresas nacionais já estão na fronteira tecnológica, como biocombustíveis e “química verde”. Mas há um imenso potencial nas energias eólica e solar, ainda que Europa e China estejam bem à frente, de modo que num futuro próximo as perspectivas são mais de adaptação de novas tecnologias do que de criação. Até pouco tempo, dois obstáculos minavam este potencial, relegando estas fontes a uma posição acessória: um natural, a sua intermitência, e outro político, a governança precária. Nos últimos anos, ambos vêm sendo vencidos, respectivamente com tecnologias de estocagem e novas regras, com ganhos imediatos não só ambientais, como econômicos.
No caso específico da energia solar, como mostrou reportagem do Estado, em três anos os sistemas de geração de energia solar se multiplicaram de 8,7 mil para 111 mil, um avanço de 1.181%. O apelo aos painéis solares começou com as mudanças nas regras do setor de energia, em 2012, que deram mais liberdade ao consumidor para eleger suas fontes de eletricidade. No mesmo período, enquanto as tarifas de eletricidade subiam quase 90%, mais que o dobro da inflação, o preço dos painéis solares caía cerca de 40%. Isso atraiu, primeiro, os clientes residenciais e, mais recentemente, as empresas. Para estas, além da redução na conta de luz, o modelo sustentável traz retornos à marca – facilitando inclusive o acesso a linhas de crédito.
Agora, o País chega a um momento importante de definições na regulamentação do setor. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) propõe que os proprietários de um sistema fotovoltaico passem a pagar encargos e custos da rede de distribuição, o que não acontece hoje. É uma faca de dois gumes. Segundo a Agência, isso desoneraria os demais consumidores da rede. Mas representantes do setor e usuários afirmam que isso poderia aumentar em 60% os custos de quem investe em geração solar, sufocando na raiz um mercado promissor, mas ainda incipiente. É uma posição consistente, afinal, no mundo inteiro a energia solar tem subsídios durante o desenvolvimento da fonte. A proposta da Aneel está em consulta pública desde o dia 18 de outubro. Merece toda a atenção de especialistas e autoridades, que precisarão desenhar políticas e estratégias para o setor. A vantagem é que, se os possíveis caminhos são muitos, o destino é inexorável: a energia do futuro virá cada vez menos do ventre da terra e cada vez mais do céu aberto – dos ventos e do sol.
Por Rodrigo Sauaia e Ronaldo Koloszuk*
A discussão sobre o aprimoramento do modelo regulatório da geração distribuída tem sido, lamentavelmente, marcada por discursos parciais e incompletos. Os defensores dos monopólios da distribuição de energia constroem cenários pessimistas, negativos e desfavoráveis para a modalidade, na tentativa de atrasar o seu desenvolvimento e distanciar os consumidores brasileiros das novas tecnologias, como é o caso da fonte solar fotovoltaica.
Como a distribuição de energia elétrica é um mercado de monopólio natural no Brasil, as concessionárias são as únicas fornecedoras de serviços numa determinada área geográfica e, desta forma, não enfrentam concorrência em suas atividades. Por isso, não possuem a mesma pressão de segmentos livres no sentido de priorizar a satisfação dos consumidores, pois não correm o risco de perder clientes para outros players, já que não há competição.
Não por acaso, os consumidores brasileiros atendidos por distribuidoras de energia são denominados “cativos”, ou seja, “sem liberdade” ou “prisioneiros”, sem opção e restritos a um papel passivo no setor elétrico.
Segundo dados oficiais da Aneel, há atualmente no Brasil mais de 84,1 milhões de consumidores cativos de energia elétrica, faturados pelas distribuidoras. Anualmente, são conectados, em média, 1,9 milhão de novos consumidores cativos ao sistema, aumentando significativamente a base de clientes das concessionárias. Por outro lado, o Brasil possui menos de 110 mil sistemas de energia solar na geração distribuída, aliviando o orçamento de cerca de 137,5 mil unidades consumidoras. Ou seja, apenas 0,1% dos consumidores cativos das distribuidoras possui geração distribuída e o seu crescimento é muito inferior ao crescimento da base de mercado faturada pelas distribuidoras no Brasil.
O crescimento da geração distribuída solar fotovoltaica em todo o território nacional, por meio do marco regulatório atualmente vigente, trará mais de R$ 13,3 bilhões em benefícios líquidos para todos os consumidores do País até 2035, segundo cálculos conservadores da ABSOLAR. Nesta conta, estão inclusos ganhos pela energia evitada, diminuição de perdas de transmissão e distribuição e redução de contratação de garantia de geração. Tal análise também contabiliza a redução de mercado das distribuidoras de energia elétrica. Adicionalmente, graças ao baixo impacto ambiental da energia solar fotovoltaica, o País também evitará a emissão de 75,38 milhões de toneladas de CO2 até 2035, reduzindo drasticamente a emissão de poluentes atmosféricos danosos ao clima, à qualidade do ar e à saúde da nossa população.
Quando há uma instalação da geração distribuída em uma casa, empresa ou área rural, o sistema ajuda diretamente a diminuir os custos dos consumidores da região, já que reduz a necessidade de construção de novas usinas geradoras; de compra de mais energia elétrica; e de construção de nova infraestrutura de transmissão e distribuição, além de reduzir as perdas elétricas na transmissão e distribuição, entre outros. De forma geral, os benefícios da modalidade agregam um valor imenso aos consumidores e aos brasileiros, ajudando a reduzir as tarifas de energia elétrica, inclusive para quem nunca investiu em geração distribuída diretamente.
Sem um processo maduro e coerente, o País corre sério risco de retrocesso social e econômico com alterações nas regras da geração distribuída. Diante destas ameaças e da forte insegurança regulatória sentida pelo mercado neste momento de transição, diferentes movimentos pulverizados surgiram na sociedade, de forma orgânica e independente, na internet e nas redes sociais, em defesa do direito do consumidor de gerar e consumir a sua própria energia elétrica.
O que se espera, de fato, da Aneel é que quaisquer ajustes nas normas sejam previamente conhecidos pelo setor, com diálogo e transparência, respeitando a previsibilidade, a coerência e qualidade regulatória. É fundamental que quaisquer mudanças sejam graduais e baseadas no atingimento de um “gatilho de penetração”, não inferior a 5% da demanda elétrica total do sistema, conforme boas práticas internacionais.
Neste processo, o regulador deve garantir a segurança jurídica e a estabilidade regulatória ao mercado, aos consumidores, empreendedores e investidores que acreditaram nas regras estruturadas e válidas para o setor, evitando alterações retroativas sobre os consumidores com geração distribuída. Mudanças deverão ser válidas somente às novas solicitações, feitas após a entrada em vigor das alterações, dando aos usuários atuais a possibilidade de optar pela migração ao novo modelo, a seu critério.
Está delineado à agência reguladora o importante desafio de calcular, com profissionalismo e idoneidade, os benefícios e impactos para cada um dos lados: dos gigantes do monopólio da distribuição e dos ainda nascentes empreendedores da geração distribuída. Espera-se que o regulador cumpra o nobre papel que lhe cabe, tendo em vista os anseios da sociedade brasileira por uma matriz elétrica cada vez mais descentralizada, descarbonizada e digitalizada.
*Rodrigo Sauaia é CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
*Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
Fonte: Estadão 09/10/209